“É impossível para a Igreja ficar calada diante das
injustiças e da opressão a que foram submetidos os povos originários da
Amazônia. Enquanto não houver um diálogo sincero e vital com estes povos a
nossa história estará incompleta, porque ainda não estaremos vivendo a
encarnação”, escreve Dom Sérgio Eudardo Castriani, arcebispo de Manaus, em
artigo publicado pelo Portal das Comunidades Eclesiais de Base, 16-09-2019.
Artigo na íntegra
A preparação do Sínodo da Amazônia tem dado muito o que
falar. O fato da Igreja estar tocando em assuntos que aparentemente não são de
sua alçada, tem levado empresários, generais e políticos a se posicionarem
contra o fato das Conferências Episcopais estarem falando de mudanças
climáticas, desmatamento, poluição das águas e do ar.
Um general chegou a sugerir que se os bispos quiserem os
dados sobre o meio ambiente deveriam procurar o governo, que tem instituições
competentes para monitorar e implementar medidas eficazes na proteção de nossa
biodiversidade e potencial hídrico. Ora, o Papa fez mais que isto ao escrever a
“Laudato Si”, chamando os mais renomados cientistas para colaborar, no
documento que é o carro chefe deste pontificado e o verdadeiro pai do Sínodo da
Amazônia.
Sentindo-se incomodados pela fala dos que foram constituídos
protagonistas do processo sinodal, os povos originários, que denunciaram a onda
de destruição e morte que os atuais governantes estão impondo à região,
apelaram para o velho chavão de que Igreja boa é aquela que fica na sacristia
falando de temas espirituais, como se fé e vida não se tocassem. Religião trata
de temas espirituais e morais individuais, mas quando o assunto é sério,
sobretudo quando entra a razão do mercado, a religião não tem mais nada a
dizer?
O cristianismo não é assim. A nossa fé diz que o Verbo de
Deus se encarnou, se fez homem e habitou entre nós. Deus entrou na história
humana e está comprometido com ela. Podemos dizer que Deus ao se submeter às
leis da natureza em Jesus sofre junto com a humanidade a destruição do meio
ambiente que afeta todas as criaturas. E, como Paulo, sabemos que os
sofrimentos da humanidade completam os sofrimentos de Jesus. Esta é a razão
profunda pela qual a Igreja se coloca como voz dos que não têm voz. Não é só a
razão de mercado que tem razão. E a razão é que Deus amou tanto o Mundo que
enviou seu Filho para salvá-lo. A encarnação tem a finalidade de recriar o
mundo.
É impossível para a Igreja ficar calada diante das
injustiças e da opressão a que foram submetidos os povos originários da
Amazônia. Enquanto não houver um diálogo sincero e vital com estes povos a
nossa história estará incompleta, porque ainda não estaremos vivendo a
encarnação. A invasão do Continente Americano, a espoliação das suas riquezas,
os massacres e os genocídios foram e são até hoje um grande mal-entendido.
Portanto, quando a Igreja se interessa pelas coisas do mundo
e pelos apelos humanos que a realidade impõe como sofrimento e dor, sobretudo a
dor dos inocentes, o faz por amor ao mundo que Deus criou e redimiu. A
sacristia é um lugar de passagem para a liturgia. Uma Igreja de sacristia é
sinônimo de uma Igreja voltada sobre si mesma, doente e necessitada de
conversão. A liturgia, em função da qual está a sacristia, como celebração do
mistério pascal, coloca o Povo de Deus no centro da história que foi o
derramamento do sangue da Nova Aliança. E a memória deste sangue derramado não
permite a indiferença e a omissão.
Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/